O TEMOR DO “SPOILER” NA MODERNIDADE TARDIA

Absalão Marques

Absalão Marques
2 min readDec 16, 2021

O receio generalizado do spoiler é tipicamente um fenômeno da “modernidade tardia”, conceito que o sociólogo Anthony Giddens desenvolve em suas obras e que eu pessoalmente prefiro à noção de “pós-modernidade”.

Em resumo, o spoiler, bem como a aversão a ele, só pode existir em uma sociedade com um fluxo de informação extremamente vertiginoso e ininterrupto, que, como sabemos, é o caso da nossa. Ninguém quer deixar de falar sobre o último filme ou o último episódio da série do momento – como, então, não se deparar com uma informação isolada que logo anula o efeito tão esperado da novidade?

A própria expectativa pela novidade, que é frustrada pela informação indesejada, é também um fenômeno dessa modernidade tardia, que conhece mais do que qualquer outra época o que o Qohelet queria dizer com “todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir”.

Somos desesperados pela novidade, sobretudo na era em que mais se faz sentir que “não há nada de novo debaixo do sol”.

Spoilers, portanto, são, como tais, inevitáveis. Não importa quão grande seja o esforço generalizado para evitá-los e combatê-los: a existência mesma deles depende ironicamente da mentalidade já cristalizada do espírito do nosso tempo, que não sabe lidar nem com o tédio nem, portanto, com o entretenimento.

Tudo é vaidade, e especialmente nós, modernos, detestamos ser lembrados disso.

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